Manu (história do livro Viver o amor aos cães)
Tantos milagres no mundo caótico! Cães rasgam tênues véus e trazem sinais sutis a quem consegue ler o livro da vida.
Manu tinha cinomose quando foi abandonado dentro de um saco de lixo preto, fora do muro, à beira da estrada. Estava em choque, triste, fatigado, temendo o homem-fera. Morto em vida, duvidava-se que sobreviveria, talvez partisse para a glória, mas o errado pensar se esvaneceu.
Paralítico e grande, tinha o olhar pedinte. Dia e noite soltava um choroso ganido longo, pro- fundo, um pranto sem consolo. Mal comia. O grupo de serviço socorria seus apelos tecendo o fio invisível de amor, primordial para a cura. Cuidar dele era difícil: dar água na boca, remédio, por fralda.
Passo a passo o escuro foi ficando claro, o olhar enevoado substituído por um brilho meigo, descansou das aflições e o amor voltou a palpitar nele. Alguém o chamou de Manu. O nome sânscrito designa uma consciência coletiva que, por ter transcendido o individual, conduz humanos por caminhos cósmicos.
Uma funcionária devota reza, aos bocadinhos em meio à lida, para sossegar o coração. Sua aura clara se entretecia à de Manu, enquanto o tratava passo a passo. Esquecida de si, ia aliviando o corpo quase inerte, até… um dia, carregá-lo para tomar Sol e decidir fazer-lhe companhia. Ria com carinho, divertiam-se, quando lembrou uma história bíblica de Jesus. Deu-lhe uma ordem: Levanta e anda, Manu! Batia palmas para animá-lo e repetia: Levanta e anda, Manu! E se olhavam firmes, de cabeças erguidas. E com prontidão Manu começou a se erguer em esforço enorme, os olhos ancorados aos surpresos olhos humanos. E penetraram um campo luminoso. E Manu levantou. E deu um primeiro passo hesitante. E mais um, caindo para o lado, em direção à cuidadora. Andou, determinado. Arrebatada pelo espanto, ela soluçava, ajoelhou-se e abraçou-lhe o pescoço negro: A emoção foi tão forte, tirou o que havia de ruim em meu coração. Foi um milagre, um milagre de Deus.
Daí em diante, ninado por ondulações maternais, não se desgrudavam. Onde um estava, lá o outro. Ela entrava para limpar uma baia, ele atrás enfurecendo outros cães de ciúmes.
Hoje, cheio de parceiros, Manu brinca alegre, mandão, sem traço de trauma. Ela segreda enternecida: A gente aprende a amar todos, nenhum é melhor que o outro, mas tem os que marcam mais. Amo todos, mas o Manu…